Dilemas de um morto-vivo

Perdido... deprimido...
o sonho se desmanchou!
Por mim mesmo traído
meu espírito se esvaziou.

Naquela noite sombria
A lua de nuvens apagada
Pelo cemitério eu seguia
O álcool me embriagava

Lápides, vultos, vozes
Tudo me assustava
O galopar dos meus algozes
O sacudir de minha garrafa

Companheiros, nessa noite trágica,
O esperar será a tática
(É a passividade ilógica)
Quem sabe uma entidade mitológica,
saia da minha lâmpada mágica ?
E realize o desejo,
de me dar o que quero mas não vejo
e nem busco pela prática

Ah... vida desgraçada!
 Lâmpada não tenho
Apenas essa garrafa
Que não clareia nada,
desde lá de onde venho.
Seu conteúdo a vista embaça...

Oh! Seu vidro se estilhaça,
aumentando meu lamento.
Olho ali triste,
aquele líquido desperdiçado
que os cacos sejam alpiste
de algum pássaro amaldiçoado

Sobrou o frio congelante
O ar parado, sossegado
Um eu subjugado
Covardia e medo abundante

Ali bem chateado
Ouço gemidos agonizados
Vindos de túmulos despedaçados
De repente...
grotesca visão!
Mortos que saem do caixão
Um deles à minha frente
Os vi em toda direção
Mas o perigo só senti realmente
Quando com uma mordida de raspão
Me surpreendeu violentamente
Um deles a sair do chão

Me dei conta da grave situação
Quando se revelou claramente
Qual era deles a intenção

Dilacerar a minha mente...
Corroer meu coração...

Fugi desesperadamente...

Mas o novo era repetir o antigo
Pois era o cemitério um labirinto
E outro maior ainda trazia comigo
Aqui o tormento é o que mais sinto

Sem conseguir escapar do recinto
Saio pelos corredores a me debater
As paredes a esmurrar
De tristeza e raiva a chorar
Auto-condenado a perecer

Após fuga alucinada
Os zumbis acreditei despistar
De cansaço a ofegar
Encostei numa lápide abandonada

Estava toda empoeirada
Não se lia a inscrição
Sobre ela passei a mão
Vi meu nome nela gravada!
Se levantou dela um morto...
E pelo seu rosto e pelo corpo...
Era eu que ali estava!

Contra mim estava a vir
Não tinha como fugir
Travou-se uma luta feroz
E não sabia mais distinguir
Em qual estava minha voz
Não podia a briga assistir
Pois dela não tinha como sair
Derrotado me deixei cair...
Como pude desistir?

Comemoraram os quase-mortos:

-Agora você é um dos nossos!
 Nada de inovadora trilha,
 bem vindo a nossa velha família:
 Moribundus Decompostus!

Agora sub-vivo por aqui
Não preciso construir
Porque vivo dos destroços

Ser vivo é difícil
Tudo é enfadonho
Sempre ali em conflito
lutando por um sonho

É fora da larga estrada caminhar...
Se desgarrar do rebanho
Se tornar pois um estranho
Vagando em caminho tortuoso
Querendo abrir novas passagens
Para explorar novas paisagens
Dizendo que andar na estrada é perigoso
Fala ainda pra convencer os outros
Que é possibilidade, de grandes vantagens
Se saíssem dela todos!

É querer as coisas complicar
Quando o que resta é aceitar

É remoer só ilusão
São devaneios que quem é moço
É teimar com a razão
e provocar vão alvoroço

O cemitério me vislumbra
Agora minha casa é uma tumba
No trabalho tenho hora
Aqui sou só mais um
Ganho pra cavar minha própria cova
e por vez de mais algum

Mal consigo me mexer
Não consigo mais correr
Nem consigo mais sonhar
Desajeitado e lento é meu andar
Sigo pela noite a cambalear
Com gemidos a soltar
Pois mal consigo mais falar

Do morto-vivo o descanso
é a morte definitiva
De quem foi sempre manso
a morrer por toda a vida

Já do vivos criei raiva
Só atrapalham daqui a calma
Dos que se deixam apodrecer
Querem que zumbis deixemos de ser
Dizendo que realmente podemos viver
Atormentam minha podre paz!
De persegui-los fui capaz
Veja só como é que é
Se pisa em minha tumba um rapaz
E eu já lhe mordo o pé

Os vivos ataco todo dia
Pois defendo a porcaria
Sou zumbi até os ossos
Honro a tradição de minha família
Moribundus Decompostus !

...
...
...

Mas vezes sinto nos vivos razão...
De onde isso vêm?
Acho que disso tudo tenho rejeição...
Será que quero ser um vivo também....?

Devorando ali migalhas
E olhando aquelas chagas
de meu corpo moribundo
Pude ver no fundo...
de uma profunda ferida apodrecida
uma brasa ainda acendida
Pensei um pouco...
Se eu quisesse, chama dela eu faria
Talvez esse fogo
consumisse meu corpo morto...

Mas seu calor em dois me dividiria!
Um Eu Vivo contra mim se colocaria
Uma luta inevitavelmente se daria
E o desfecho, que dilema!
Eu ainda que decidiria

Em meio à confusão suprema
Indeciso fico
Mas só esse pensar
Já fez fumaça levantar
Atormentando o cadavér frio
Sua carne fez esquentar
Da coruja o horripilante pio
Anuncia o início da batalha
Naquela noite embalada
Pela orquestra dos fantasmas
E pelos uivos do vento nebuloso
Possibilidades estão lançadas
O futuro? Eu o escolho!

A derrota do meu eu zumbi
A rejeição dos mortos vivos vai provocar
Perseguido e errante terei de seguir
Ousada é essa decisão tomar.

Poderei eu deixar
de a cada instante continuar a morrer?
Livremente me movimentar,
quem sabe até pelos campos conseguir correr?

Poderei surpreender,
os que me viram semi-falecido?
Como um leão me erguer,
lançando forte e vivo rugido?

Só terei força pra lutar...
Se novamente voltar a sonhar
Se irei pois triunfar
e meu morto-vivo derrotar...

Encarnada contradição!

Possibilidade de solução
Em minha mão aí está!

(Luiz Aurélio)

Resistir é minha razão de existir

Lutando com dedicação
Entre o estudo e a ação
Horas, entre leituras e escritas
Nos protestos, uma cara conhecida

Um espírito que não se conforma
Um alienado para isso olha,
e não entende o porque faço isso.

Diante de um mundo dessa forma,
realmente não faltam motivos,
em quem tenha de consciência o mínimo.

Um dia passou diante de mim a morte
E eu pude escapar dela por sorte

Refleti depois sobre minha existência
Neste mundo cheio de problemas...
Será que fiz alguma diferença?

Mais bem pior que não ter nada mudado
É não ter nem ao menos tentado
Não ter nem pra isso se esforçado

E se ali tivesse tudo acabado?
Meu fim naquela hora chegado...
Que estúpida morte seria!
Mas não mais estúpida do que toda minha vida

Já que nesse mundo imundo eu vou continuar
Não mais em branco por ele irei passar
Minha marca nele eu irei deixar
Meu compromisso é agora para sempre lutar
Num sistema que a todos mortifica
Na luta contra ele se expressa a vida
Agora tudo é intensidade
A emoção que se sente no calor do combate

Em cada obra lida,
Em cada texto ou poesia escrita...
Uma batalha vencida!

Aqueles que lêem por ler
Escrevem por escrever
Obrigados pelo trabalho ou pela escola
Em troca de um salário ou de uma nota
Ou mesmo para se promover
Querendo alguma vantagem obter...
Nunca poderão me compreender!

Se o mundo irá mesmo melhorar ou não
Não é essa a questão
O importante é que dei minha contribuição
Que lutei com compromisso e determinação

Que não fui cúmplice nem omisso...
Em meio a atrocidade e injustiça,
vendo a população explorada e oprimida.
Fui alguém que se colocou contra tudo isso

E agora não mais importa
Se a morte me bater à porta
Para o fim da existência eu sigo
Com sensação de dever cumprido

O único lamento sentido
Será o de mais tempo não ter tido
para mais um pouco ter aqui combatido.


Luiz Aurélio
16 de agosto
2011

Um chamado ao combate


Das aparências eles aparecem como sujeitos dignos de respeito
querem ver a sociedade mirando nas paredes da sua casa de espelhos

- Tudo está bem, está bem até demais,
do que você está reclamando aí meu rapaz ?

Acho que o que pergunta também reclamaria
se ao menos visse direito
alguma coisa além do próprio umbigo gigantesco
Pra ele é tudo bem
pros outros é que é o bicho
mas até esse estar bem
também é relativo
agora de sua vida fútil outra hora falo disso

Sigo em frente e os deixo
na lama da mediocridade fazendo seus rastejos
e procuro desenvolver a minha mente
sempre a passos gigantescos.

Porém ao solo do estabelecido também não quero ficar preso
É preciso muito além pensar
pois somente pensando grande
é que se pode coisas grandes alcançar
Tento num grande salto me lançar ao ar
além das barreiras rasteiras navegar
mas a gravidade das imposições
da decadente sociedade
tentam me puxar
me derrubar
para que nesse caminho eu não possa continuar
- O mal exemplo deve perder o sustento
se não outros podem começar a imitar!
Ou pior, podem imitar
e na mesma linha começarem a inovar
desenvolvendo o mal exemplo
que tormento!
 podem do trono nos vir a arrancar.

Contorno a adversidade
evitando ir para baixo
as velas eu alço
procurando orientar o pensamento
encontrando as correntes de vento
que fortaleçam o movimento
que conduzem ao libertar.

E junto com muitos outros lhe respondemos:

- Tremam mesmo seus nojentos!
Deixaremos sua velha ordem ao relento
seu domínio podre iremos destroçar
com um golpe só, a dois se derrubará
ao seu domínio e ao nosso sofrimento
Esse circo de horrores
hipocritamente chamado de desenvolvimento
será para a humanidade
somente triste lembrança no tempo.

Vejo a sociedade atual
Que deprimente espetáculo
seres humanos escravizados
animais
presos nos currais
adestrados, domesticados, castrados , confinados
no rebanho sempre iguais
seguindo esses falsos guias como bobos
não conseguindo perceber que esses guias são os lobos
Iludidos com a promessa de encontrar algum tesouro
não percebem o caminho esta levando ao abatedouro.
Que sufoco

O seu vencer na vida pra mim é só ouro de tolo
Na verdade é bem pior
o ouro de tolo ainda é inofensivo
mas seu sistema é pra vida humana extremamente destrutivo
Antes matasse de uma vez !
Mas não, ainda consegue ser pior
é uma tortura cruel por toda a existência
contra a qual não adianta pedir clemência
pois tem na desgraça da humanidade a própria essência
 e o que alimenta sua permanência.

Não perca tempo pedindo piedade
nem ache dos céus ou do espaço
virá alguém que te resgate.

Aparecem também humanos supostos salvadores
mas que não salvam nada na verdade,
querem é derrubar os dominantes
para se tornarem os novos senhores
Outro jogo podre
onde poucos ganham muito
e muitos saem perdedores.
Tem também os pacificadores pregando a não-violência
como solução das dores da humanidade.
Ser bonzinho contra quem te estraçalha, que bondade!
Dê a outra face até que arranquem sua cara de tanto tapa
não reaja

reagir é ser igual a eles?
Que falácia !

Isso mais parece um masoquismo destrutivo
Te ferem gravemente e você acha bonito.
Te impõem a desgraça e você não fala nada
falar até fala
mas a não-violência
também é uma não-ameaça
contra quem oprime as massas

Tudo que eles temem é a revolta popular
a população armada ao sistema derrubar
isso para alguns ditos revolucionários
é violência...
é uma demência de lascar!

Não vê que a violência é a que emana do sistema?
Lutar contra isso se chama resistência
é o combate pela vida a favor da existência

Se eles não largam o osso nós devemos sim tomar.
Se preciso for através da força.
Ou então faça sua forca
tente conseguir indo abraçar os da matilha-loba
e peça que nenhum te morda
A intenção até é boa...
mas no final não largarão osso algum
e ainda outros ossos terão na boca os lobos
serão os ossos pacifistas arrancados do seu corpo.

Seja racional,
"até o verme se retorce
contra o pé que o esmaga"

O conflito aberto é a via
a vitória é o resultado.
É a turbulência do parto
antes do nascer da nova vida.

Veja que falo de lutar
mas não começar a guerra.
Pois ela já está rolando solta
mas você que não enxerga
se atualmente está camuflada
pode ser traga às abertas.

Se a luta torna a vitória possibilidade
devemos arriscar a cura
para a doente sociedade.
A doença é bem grave
é quase estado terminal
a evidências apontam claro
que a morte é o seu final
ou fazemos alguma coisa
ou a história acaba mal.
Sozinho ou de grupinhos ninguém faz revolução
mas aqui no meu cantinho dou minha contribuição
como todos também sinto sofrimento
de várias formas
conseqüentes da doente sociedade
que faz com que viver seja um tormento
mas nunca felicidade

Descarrego a queima roupa
meu cartucho de descontentamento
agora compare com a realidade e veja
se esse pensamento tem mesmo fundamento

Se você também sente em suas veias
pulsar o sangue da revolta
contra tudo que te oprime
e as pessoas mundo afora.
Essa é a hora
e sem mais demora
usemos dos meios disponíveis
e propaguemos a revolta!
A utopia é um sonho,
dos mais belos é verdade
mas caminha pra realidade
quando procurada
pelas classes dominadas

Se a vitória é o que temos em mente
porque temermos a derrota?
A derrota permanente
já a temos atualmente.
Se o combate abre uma chance
então é um grande lance
entrar nessa empreitada.
Porque se no agora o azar é certo
na luta a sorte estará lançada

Se você concorda
estamos do mesmo lado da corda
e a vitória tem o início
no momento em que o povo acorda

Impeli-los para isso é que é a grande sacada,
Expor e desenvolver nossos argumentos
falando, escutando, cantando, debatendo, lendo e escrevendo
até o momento
em que nos encontraremos
no calor das barricadas...
companheiros na batalha
até a vitória camarada !

(Luiz Aurélio)